Goiânia – Moradores de Campos Verdes, no norte de Goiás, a 310 km da capital, dizem viver terror por consumirem água captada em manancial de abastecimento público da cidade, “contaminado por vários metais pesados”, segundo relatório da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Centenas de peixes foram encontrados mortos. Adoecida, a população critica mineradora multinacional que opera no Brasil uma mina a céu aberto de cobre e ouro, em uma das regiões mais pobres e com mais desigualdades do estado.
O relatório da SMS, baseado em laudo técnico da Companhia de Saneamento de Goiás (Saneago), atesta que “o consumo diário dessa água contaminada” provocou “aumento recorrente de pacientes” com várias doenças por causa de nove metais pesados. Segundo a secretaria, houve casos de moradores “diagnosticados com câncer” e que tiveram de iniciar acompanhamento psicológico.
“Tenho sentido muitas dores nos rins e na cabeça, além de febre e gastrite. Tinha visto peixes morrendo no Rio dos Bois e, quando fiquei sabendo do resultado da [análise da] água, que está poluída, fiquei muito triste”, disse ao Metrópoles o funcionário público Leonardo Oliveira da Silva, 30, que nasceu e mora na cidade.
Briga judicial
No último dia 30/7, a Mineradora Maracá Indústria e Comércio, da multinacional sueco-canadense Lundin Mining, sofreu nova derrota no Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) por dano coletivo ambiental após a população ter consumido água contaminada. Pela liminar, a empresa deverá pagar 1.526 exames individuais para analisar níveis de metais pesados no organismo de moradores e cumprir outras determinações. O número equivale à população.
Em nota ao Metrópoles, a mineradora informou que “rejeita as alegações de impactos ambientais e à saúde e se defenderá judicialmente”. Como o assunto está na Justiça, conforme acrescentou, a companhia não pretende comentar mais o caso neste momento.
“Mortandade de peixes”
Prefeito de Campos Verdes, Haroldo Naves (MDB) afirma, em conversa com o portal, que o índice de aumento de doenças atinge toda a população da cidade. “Crianças, adultos e idosos estão todos se contaminando por causa da água”, alerta. “A mortandade de peixes é muito grande aqui, infelizmente”, acrescenta. O relatório da SMS é de maio, dois meses depois do laudo técnico da Saneago.
É por isso que a contaminação também tirou da mesa o alimento dos moradores. Vídeos mostram centenas de peixes achados mortos no rio no último período chuvoso, no final de 2021. Em alguns trechos, a água ficou barrenta. Virou um “mar de lama”. Em outros, ganhou “cor esverdeada, com cheiro ruim, bastante lodo”, perto da área de preservação permanente do afluente, confirma o laudo.
Fome e sede
No total, segundo a prefeitura, mais de 100 famílias ribeirinhas estão com dificuldades para comer e beber água potável. A população, de acordo com o prefeito, “não está pegando mais a água no rio, e, sim, nos poços artesianos”. “Pode-se observar que está havendo contaminação por metais”, reforça o laudo da Saneago.
O manancial de abastecimento público de Campos Verdes faz parte da bacia hidrográfica Rio dos Bois. Uma das principais atividades presentes nela, segundo o documento, “é a mineração representada no local pela Mineração Lundin Mining (antiga Maracá)”, no município vizinho de Alto Horizonte. A empresa nega qualquer tipo de contaminação no rio.
A captação de água para Campos Verdes é realizada a 18 km do município, na parte do rio no limite com Alto Horizonte. A barragem da mineradora está instalada 12 km acima do local onde a água é retirada para abastecimento público local. A Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou ao Metrópoles que a empresa tem autorização para operar em Alto Horizonte, até 17 de fevereiro de 2024.
“Revoltante”
Presidente do Conselho Municipal de Saúde (CMS) e da Associação Comunitária de Campos Verdes, José Maurício Mendes diz que está “assustado”, assim como a população da cidade. “Os ribeirinhos tiraram os peixes mortos. Muita gente da população daqui da cidade consome peixes desses rios”, conta.
“Essa situação é revoltante e preocupante. A gente está muito preocupado porque tem risco de a contaminação estar mais longe. A água desce rio abaixo e já ouvi até relatos de outros animais ao longo do curso da água”, afirma Mendes.
Além do Rio dos Bois, que faz o abastecimento público da cidade, a região de Campos Verdes tem outros dois afluentes: Rio Crixás e Rio do Peixe. Em determinado trecho, os três se juntam ao Rio Crixás Açu, que desce para o Araguaia, um dos principais atrativos de Goiás e que reúne milhares de turistas às margens de seu leito, todos os anos.
Fiscalização
A Semad informou que, “até o momento, não foi lavrado auto de infração relacionado à suposta contaminação do Rio dos Bois, uma vez que ainda não foi possível estabelecer um nexo de causalidade entre a contaminação e as operações do empreendimento”. De acordo com a secretaria, técnicos do governo estão analisando os dados de monitoramento de água superficial e subterrânea do empreendimento para analisar a situação.
Contudo, de acordo com a pasta, “a análise não é simples, considerando que o contexto geológico da região mostra que, naturalmente, o solo e as rochas possuem altas concentrações de alguns metais, o que até justifica a instalação da mineradora que faz a extração de ouro e cobre no local”. “É comum que nessas regiões se constate concentrações elevadas de metais nas águas subterrâneas e superficiais, mesmo antes da instalação dessas mineradoras”, diz.
O prefeito disse que vai pedir a suspensão da licença ambiental e da outorga de mineração da empresa junto à Agência Nacional de Mineração (ANM). Segundo ele, antes de recorrer à Justiça contra mineradora da multinacional, enviou ofício à direção da empresa e tentou falar diretamente com o diretor de Geologia e Mineração da Mineração Lundin Mining no Brasil, Wilson Antônio Borges, mas sem êxito.
“Ele [diretor da mineradora] apenas negou, dizendo que não tem contaminação”, afirma o prefeito. Ao Metrópoles, Borges defendeu a empresa, dizendo que “não existe contaminação nem condenação”. Isto porque a decisão liminar ainda pode ser confirmada ou revertida no julgamento do mérito do processo.
A mineradora também informou que “reitera seu profundo compromisso com práticas de mineração responsáveis em conformidade com todas as leis e regulamentos aplicáveis e está focada na gestão ambiental da água, ar, terra e biodiversidade nas proximidades da mina de chapada”.
Outras determinações
Na decisão, a desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade manteve liminar do juiz Alex Alves Lessa, que também determinou que a mineradora apresente Plano de Ação de Emergência para Barragem de Mineração (PAEBM) e documentos sobre segurança do empreendimento. A empresa também deverá permitir o acesso de técnicos ambientais na área de extração dos minérios.
A reportagem não obteve retorno da Agência Nacional de Mineração, responsável pela regulamentação e fiscalização do PAEBM do empreendimento. O espaço, porém, segue aberto para manifestações. Ainda não há previsão para a Justiça proferir decisão definitiva sobre o caso, já que o processo está em andamento.