A história por trás da morte de um homem com dois tiros no rosto em Ceilândia é repleta de pontos mal contados. O corpo de Edilson de Oliveira, 38 anos, foi encontrado jogado na beira da rodovia BR-070 no início da manhã do dia 3 de junho. Ele passou as horas anteriores consumido bebidas alcoólicas com um velho amigo, um cabo da polícia militar de Goiás que foi preso nessa segunda-feira (18) por homicídio qualificado. O policial respondeu processo por suposta participação em morte.
Ricardo Viana, delegado-chefe da 24ª Delegacia de Polícia (Setor O), conta que foi preciso puxar o fio da história da vítima para chegar a uma conclusão da investigação. Em contato com familiares, o investigador descobriu o relacionamento íntimo e de mais de 15 anos entre Edilson e o policial militar Miqueias Jesus dos Santos, lotado em Luziânia (GO), na Região Metropolitana do Distrito Federal.
“Estranhamos de imediato porque a vítima tinha diversas passagens policiais por roubos, tráfico e porte de arma. Eram amigos há anos, parceiros, apesar do envolvimento com crimes. Um vínculo que nossa legislação veda”, afirma. De acordo com ele, a amizade entre os dois era controversa, já que policial deve combater crimes, enquanto a vítima tem longa ficha policial e cumpria prisão domiciliar.
Edilson e Miqueias se tratavam como “irmãos” e passaram a noite consumindo bebidas alcoólicas. Primeiro, na porta da casa da vítima, em Ceilândia, de onde saíram no carro do militar. O veículo foi encontrado mais tarde cheio de sangue abandonado em Brazlândia. “Chegamos a suspeitar que havia ocorrido um latrocínio e que o policial também tinha morrido. Mas a perícia constatou que o sangue era de apenas uma pessoa”, conta o delegado.
O suspeito foi preso preventivamente enquanto prestava serviço no quartel da Polícia Militar do município goiano. Ele responderá por homicídio qualificado por recurso que dificultou a defesa da vítima. Desde segunda-feira (18), o suspeito está à disposição da Justiça na a carceragem do 19º Batalhão, a Papudinha. Se condenado, ele poderá ficar recluso por até 30 anos e ser expulso da corporação. Em interrogatório, o cabo relatou briga, acidente e defesa.
Luta corporal
De acordo com Ricardo Viana, o suspeito contou que deixou a arma na lateral do corpo. Em determinado momento, Edilson teria tentado pegar a pistola, quando os dois entraram em luta corporal e um disparo atingiu o rosto da vítima. Depois disso, o policial teria saído do carro para evitar confusão, mas, mesmo ferida, a vítima saiu correndo para tentar pegar a arma. No meio da rua, atirou pela segunda vez, coincidentemente na face, como forma de legítima defesa.
O relato foi contestado por testemunhas. “Descreveram que duas pessoas saíram do veículo após o som de um disparo. Uma delas, baleada, suplicava para que parasse a situação e, mesmo assim, sofreu o segundo tiro”, conta o delegado. A motivação ainda é desconhecida.
O Jornal de Brasília procurou a Polícia Militar de Goiás, que não se pronunciou sobre o caso até a publicação desta matéria.
Histórico de matança
Por 16 anos, o nome de Miqueias Jesus dos Santos esteve como réu em um processo no Tribunal de Justiça de Goiás. Ele estava entre os 14 policiais militares suspeitos de participarem do assassinato de um líder comunitário e da tentativa de homicídio da mulher dele em fevereiro de 2000, em Águas Lindas. A vítima foi apontada pelo Ministério Público de Goiás como principal testemunha de crimes praticados pelo grupo de militares.
No dia do homicídio, segundo o órgão, houve emboscada para a dupla. Miqueias e outros policiais não teriam participado efetivamente do homicídio. Segundo a denúncia, eles estavam de serviço bem próximo ao local e não fizeram nada para evitar a tragédia. Em vez disso, eles teriam forjado uma perseguição quando, na verdade, estariam dando cobertura para fuga.
O caso foi a juri popular em março de 2016 na capital goiana. O juiz Jesseir Coelho de Acântara, presidente do primeiro Tribunal do Juri da Corte, afirmou que a punição para o crime já havia prescrito.
Memória
Um sargento da Polícia Militar mentiu em depoimento ao dizer que matou um homem ao reagir a um assalto. Investigações apontam que Paulo Roberto Figueiredo passou a noite ingerindo bebidas alcoólicas e deu cinco tiros no amigo que teria se recusado a continuar a noitada. O crime aconteceu na região central de Ceilândia e imagens de câmeras de segurança derrubaram a alegação de legítima defesa.