20/04/2022 às 03h59min - Atualizada em 20/04/2022 às 03h59min

Homem que trabalhou 21 anos sem receber salário é resgatado no Paraná

Dois idosos foram resgatados em fazenda na qual trabalhavam de 7h30 às 22h sem folga semanal. Benefício que um recebia do INSS era retido

Dois homens, ambos com mais de 60 anos, foram resgatados realizando trabalho em condições análogas à escravidão em uma fazenda de Nova Esperança, perto de Maringá, no interior do Paraná, em uma operação que começou no dia 11/4 e durou a semana toda.
 
Um dos resgatados trabalhou no local por 21 anos sem receber salário, em troca apenas de alimentação e moradia (e em condições precárias). O outro resgatado tinha oito anos de serviço na mesma situação.
 
As vítimas foram resgatadas por auditores-fiscais do Trabalho da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), vinculada ao Ministério do Trabalho e Previdência. De acordo com o órgão, os dois trabalhadores cumpriam jornadas abusivas, sem nenhum dia de folga por semana, e tinham eventuais saídas controladas pelos “empregadores”, que os ameaçavam de “demissão”.
 
Um auditor que participou da operação contou que os dois atuavam em todos os serviços da fazenda, que incluíam criação de gado, porcos e hortaliças, e trabalhavam das 7h30 da manhã às 22h todos os dias. A fazenda tinha contratos com a prefeitura de Nova Esperança para o fornecimento dessas hortaliças para uma escola e um presídio na cidade.
 
O dono da fazenda, segundo o auditor, enganava um dos trabalhadores dizendo que mantinha as notas de pagamento da prefeitura como prova de que ele trabalhava como produtor rural e seriam usadas para que ele pudesse, um dia, se aposentar.
 
Outra das vítimas, segundo os auditores, deveria receber um benefício previdenciário, o BPC, mas seu empregador, que não teve a identidade divulgada, recebia por ele e não repassava nada. Teriam sido liberados mais de R$ 32 mil desde 2019.
 
Outro forte indício de abuso do empregador são extratos de uma conta bancária conjunta entre essa vítima e um dos filhos do empregador, sendo que o trabalhador não tinha conhecimento desse fato.
 
As duas vítimas, segundo o auditor, são analfabetos funcionais e não compreendiam a ilegalidade das condições que lhes eram impostas. O servidor contou ainda que eles não conheciam telefones celulares e não sabiam como usar um para tentar entrar em contato com parentes.
 
Perguntados se não recebiam nenhum tipo de benefício, nem mesmo no final do ano, responderam que recebiam refrigerante em datas como o Natal.
 
Ainda de acordo com os responsáveis pelo resgate, as condições de alimentação e moradia encontradas não atendiam às mínimas exigências previstas nas normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Previdência.
 
O alojamento era composto por uma cama, o vaso sanitário, um tanque para lavar e o varal para secar roupas, tudo em um mesmo cômodo apertado e pouco arejado. Os equipamentos de trabalho também estavam em péssimas condições, como exemplificam essas botas:
 

 
Os trabalhadores foram retirados da fazenda e levados para um hotel para aguardar o pagamento dos direitos trabalhistas. A Inspeção do Trabalho informou que precisou entrar em contato com familiares das vítimas “devido à incapacidade relativa em entender a situação a que estavam submetidos”. Ao final dos pagamentos, os trabalhadores retornaram para casa com os respectivos parentes.
 
O órgão calculou em R$ 279 mil os valores devidos aos dois trabalhadores em salário, verbas rescisórias e danos morais. R$ 41 mil já foram pagos na última quinta-feira (14/1).
 
O empregador assinou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho se comprometendo a devolver a uma das vítimas todos os valores recebidos indevidamente da Previdência Social.
 
Quando ocorreu a informação, segundo o auditor que acompanhava a operação, o empregador não negou as irregularidades, mas tentou justificar suas atitudes alegando que “acolheu” trabalhadores que teriam sido abandonados por suas famílias e que não os pagava porque eles “não saberiam o que fazer com o dinheiro, iriam gastar atoa”.
 
Denúncias
O caso no Paraná foi desvendado graças a uma denúncia anônima feita ao Sistema Ipê pelo seguinte endereço eletrônico: https://ipe.sit.trabalho.gov.br/
 
O Sistema Ipê é o única sistema exclusivo para recebimento de denúncias de trabalho análogo à escravidão no Brasil e foi desenvolvido pela Inspeção do Trabalho e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »